Não criei musgo | Diocese Bragança-Miranda
Na visita pastoral realizada à Unidade Pastoral de Ansiães, foi-me oferecido pelo Senhor Presidente do Município de Carrazeda de Ansiães um livro muito interessante e curioso escrito em 1939 por John Reynolds Gibbons sob o título sugestivo: «Não criei musgo. Retrato de uma aldeia transmontana», no título original I Gathered no moss. O texto que li foi publicado em 2004, numa edição comemorativa dos 250 anos da vila de Carrazeda de Ansiães.
O célebre escritor e jornalista inglês recebeu o prémio Camões em 1940 a si atribuído com este livro, por ser, segundo o diretor do secretariado de propaganda nacional: «uma das obras mais belas que se tem escrito, em todos os tempos e em todas as línguas, sobre o nosso País e a nossa gente» (António Ferro).
O Abade de Baçal, no tomo XI das memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança, escreveu um apontamento «Transmontanos (Os) e sua terra vistos por um Inglês. Coleja.» sobre esta obra e o seu autor, do qual destaco: «Pelas obras e não pelo vestido é o homem conhecido, ensina a sabedoria das nações, não obstante a vaidosa estultícia humana, que é infinita, continuar pensando o contrário; (…) em suma, veio mostrar-nos que em Coleja, minúscula aldeola do concelho de Carrazeda de Anciães, uma das mais obscuras de Portugal, há tanta poesia, tantos atractivos folclóricos, tanta felicidade, embora rústica, que nada tem a invejar `mais gabada do estrangeiro, a ponto de impressionarem o próprio Gibbons».
Este livro, não obstante a linha ideológica do tempo, narra a sua experiência na aldeia da Coleja, da Paróquia de Seixo de Ansiães, durante 4 meses no inverno da sua estadia por terras trasmontano-alto-durienses. O autor conta o que viu e experimentou na vida quotidiana, o Domingo, o Natal, a ida à feira da Carrazeda, a subida do Douro em comboio, a agricultura, as quintas do famoso vinho do Porto, ou melhor do vinho fino ou generoso e as relações humanas na pequena sociedade desta aldeia, onde ainda havia uma escola com uma jovem professora e com muitos alunos. A narrativa é ainda colorida com a sua viagem sonhada e realizada a Miranda do Douro e a visita ao Porto.
Porquê a aldeia de Coleja? Porque o seu editor em Londres lhe sugeriu a ideia de um novo livro autobiográfico escrito num lugar isolado. J. Gibbons falou da ideia a um amigo português, Alcino Moutinho, que lhe indicou Coleja, a sua terra natal, e ele veio e deixou-se encantar por esta terra que o acolheu na casa da família Serafim. Graças a este escritor, coleja tornou-se também célebre no mundo.
O Domingo era bem respeitado como o dia do Senhor, dia de descanso e de alegria. Para ir à Missa, o autor com a professora e algumas dezenas de fiéis tinham de se levantar às 7 horas e fazer duas horas a pé para a celebração na capela da quinta das Figueiras ou do Vesúvio, mais conhecida pela Quinta da Ferreirinha. A manhã inteira de domingo era dedicada ao Senhor. A propósito comenta o autor: «todos nos dizíamos Católicos, apesar do infeliz facto de o nosso entusiasmo religioso ficar aquém da simples ida à Missa. Contudo, em quase todas as casas havia a imagem de nossa Senhora de Fátima». Na aldeia, «muitos dos homens tomavam banho ao Domingo de manhã, em grandes bacias de água quente e as mulheres secavam o cabelo ao sol», e era também o dia de ir ao barbeiro.
J. Gibbons era um inglês católico, casado com 5 filhos. O seu último filho nasceu com muitas doenças e por causa da gravidade da doença a sua esposa pediu-lhe que fosse em peregrinação a Lourdes. Assim escreve Suzanne Chantal: «Partiu. Sem dinheiro, alcançou, conforme pode, a gruta milagrosa; e nesse mesmo dia, a criança melhorava. A criança tinha encontrado saúde e o pai uma vocação. É que então anotou as suas recordações de viagem: “Tramping to Lourdes”, que foram editadas plo “Wide World Magazine” e traduzidas em francês, sob o título “Le vagabond de Notre Dame”». A partir de então percorreu cerca de 30 países em 4 continentes ao serviço de vários editores, «mas aquela foi a gente mais honesta, mais corajosa e mais mourejadora que eu jamais encontrei. E também suponho eu, a mais feliz», disse o autor no dia da atribuição do prémio em Lisboa.
No dia 7 de Maio de 2016, aquando da tão esperada Visita pastoral à Unidade Pastoral de Ansiães, estive nesta pequena comunidade cristã, com cerca de 30 pessoas e que ao tempo tinha cerca de 300 habitantes. Coleja situa-se num lugar privilegiado formando como que uma concha no território. Tem consigo uma magnífica queda de água, apelidada de Quedas do Sívio ou fraga da Ola e «como é tremendo o silêncio da montanha», como diz Gibbons acerca deste património natural.
Por estas belas terras aprendi também a reconhecer a arte da produção e do encontro em torno do vinho generoso, conforme esta quadra popular, reveladora da sabedoria da alma juntos às águas do Douro: «fino para os antigos, tratado para os lavradores, generoso para os amigos, do Porto para os doutores». E com o P. Bernardo aprendi que «o que faz o vinho é o calor da terra».
Coleja, ainda hoje, faz memória grata do seu ilustre hóspede, numa placa colocada na casa onde viveu e escreveu Não criei musgo. Este título estimula ao encontro e a relações saudáveis de amizade e vizinhança. A expressão «não criei musgo» que dizer, que o autor não ficou parado nem fechado em casa ou em si mesmo, como acontece às pedras imóveis, pois «pedra rolada não cria musgo» mas experimentou a saída de si mesmo ao encontro dos outros, mesmo não falando a língua, pois falava a mesma linguagem humana e cristã.
+ José Manuel Cordeiro





