UM POVO COM CHÃO E COM CÉU | Diocese Bragança-Miranda

Aos Presbíteros, Diáconos, Pessoas Consagradas,

Fiéis Leigos da Igreja de Bragança-Miranda,

Mulheres e Homens de boa vontade

 

Bem-hajam!

No dia 30 de setembro de 2012, quase um ano depois da ordenação episcopal e começo do ministério, demos início à Visita Pastoral na nossa amada Diocese de Bragança-Miranda. Em cada ano pastoral, visitei um Arciprestado: 2012-2013 o Arciprestado de Bragança; 2013-2014 o Arciprestado de Miranda; 2014-2015 o Arciprestado de Mirandela; 2015-2016 o Arciprestado de Moncorvo.

A visita pastoral tem sido um «verdadeiro tempo de graça e momento especial, antes único, para o encontro, a proximidade e o diálogo do Bispo com os fiéis. O Beato Bartolomeu dos Mártires na sua obra clássica Stimulus Pastorum, muito apreciada pelo próprio S. Carlos Borromeu, define a visita pastoral quasi anima episcopalis regiminis e descreve-a significativamente como uma expansão da presença espiritual do Bispo entre os seus fiéis» (São João Paulo II). Com efeito, assim aconteceu. Na verdade, para o Bispo ou o Pastor, como o recordam tantos santos Mestres, «o mais importante é conhecer o povo do Senhor que lhe está confiado».

Nos muitos e muitos encontros já havidos convosco, admirei especialmente a fé, a esperança e a caridade com que testemunhais o Reino de Deus.

Hoje, a Diocese de Bragança-Miranda tem cerca 130.000 habitantes, com a extensão de 6.598,5 Km2 de área geográfica, 326 Paróquias, num total de 545 comunidades cristãs, 4 Arciprestados, 22 Unidades Pastorais, 84 Presbíteros + 3 Bispos, dos quais 56 dedicados e sacrificados Párocos ou equiparados, 7 Diáconos, 12 Religiosos e 120 Religiosas, 5 Consagrados em Institutos seculares femininos, 1 Virgem consagrada, 5 seminaristas maiores, e muitos, muitos mais ministérios, serviços, famílias, movimentos, Instituições e fiéis leigos – é uma realidade desafiante.

Ao olhar a nossa realidade, perguntamos de imediato: como é possível que um sacerdote, sem arruinar a sua saúde física, psíquica e espiritual, seja pároco de uma imensidão de paróquias, como está a acontecer cada vez mais nas Unidades Pastorais, dada a escassez de sacerdotes?

O ‘inverno demográfico’ que constatamos nas nossas aldeias, onde há mais casas que pessoas, onde há mais funerais que Batismos e onde a quebra de taxas de natalidade e o envelhecimento da população, pode favorecer o desencanto na nossa terra. Todavia, numa Sociedade solidária e hospitaleira e num Estado social teremos de reforçar a criação e consolidação de condições de coesão e de confiança entre todos.

Uma jovem judia holandesa, Etty Hillessum, que morreu em Auschwitz, inicialmente longe de Deus, descobriu-O no coração e chegou a escrever: «somos sobretudo nós próprios que nos roubamos sozinhos. Acho a vida bela e sinto-me livre. Os céus estendem-se tanto dentro de mim como acima de mim. Creio em Deus e nos homens e atrevo-me a dizê-lo sem falso pudor. A vida é difícil, mas isso não é grave».

Não podemos adiar a esperança, o sonho de uma vida autêntica que nos salva.

A conversão do coração para uma conversão pastoral e missionária é uma exigência nesta Igreja local. Talvez tenhamos, como recomendava Fernando Pessoa, de «aprender a desaprender». Desaprender os labirintos, as teias, os modelos que nos sufocam e apenas servem para nos fazer adiar o encontro tão necessário com Deus, com os outros, com a terra e com a história e connosco próprios.

Constatamos algum arrefecimento de alegria e da esperança que vem do Evangelho e sentimos a necessidade de uma pastoral que promova o encontro profícuo com Deus levando-nos ao reconhecimento de que somos seus amados filhos. A peregrinação, vivida como celebração da própria fé, é para o cristão o desejo profundo de viver em Cristo. A dinâmica própria da peregrinação revela com clareza algumas etapas que o peregrino alcança, e que se tornam um paradigma de toda a sua vida de fé: - a partida torna manifesta a sua decisão de avançar até à meta e de conseguir os objetivos espirituais da sua vocação batismal; - o caminho condu-lo à solidariedade com os irmãos e à preparação necessária para o encontro com o Senhor; - a visita ao Santuário convida-o à escuta da Palavra de Deus e à celebração sacramental; - o retorno recorda-lhe a sua missão no mundo, como testemunha da salvação e construtor da paz.

Temas para cada Ano Pastoral no Projeto pastoral 2012-2017:

2012/13 – Ano da Fé «Esta é a nossa fé. Esta é a fé da Igreja» (Liturgia);

2013/14 – Ano Vocacional «Senhor, eis-me aqui, podeis enviar-me» (Is. 6,8);

2014/15 – Ano da Bíblia «confio-vos a Deus e à Palavra da Sua Graça (At 20, 32), 12 a 26 de julho de 2015 - Peregrinação da Virgem Peregrina de Fátima à diocese;

2015/16 – Ano da Santidade «esta é a vontade de Deus, a vossa santificação» (1Tess. 4,3);

2016/17 – Ano Mariano «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2,5). A alegria de evangelizar como Maria – centenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima.

A celebração 50º aniversário do Concílio Vaticano II tem motivado a formação permanente, mesmo no estudo diocesano dos documentos conciliares, como propôs o Papa Bento XVI: «um momento de graça e de empenho para uma cada vez mais plena conversão a Deus, para reforçar a nossa fé e para anunciá-la com alegria ao homem do nosso tempo».

Somos constantemente convocados: a repensar o ministério presbiteral na comunhão das Unidades pastorais, na vida em comum, como servos da comunhão – capazes de promover vocações, carismas e ministérios numa corresponsabilidade sinodal; à coragem da novidade; a uma nova redistribuição do Clero; a experimentar que toda a pastoral é vocacional; à amizade sacerdotal, à formação permanente humana, espiritual, pastoral, intelectual e comunitária (sabemos que se a vida não é formação permanente, torna-se frustração permanente); a celebrar bem o Domingo e a cuidar a qualidade das celebrações eucarísticas dominicais e festivas.

Uma liturgia verdadeira, simples, bela, que seja experiência do mesmo e único mistério de Cristo, permanecendo, ao mesmo tempo, inteligível, capaz de narrar a perene aliança de Deus com os homens. Um equilíbrio entre a Palavra e o Sacramento – equilíbrio entre a palavra, o canto, o silêncio e o rito; O discernimento requer generosidade apostólica e inteligência pastoral. Na relação entre o anúncio e a cultura desenvolve-se a “pastoral da inteligência”; à É preciso ir ao encontro dos homens e das mulheres do nosso tempo e testemunhar que também hoje é possível, belo, bom e justo viver a existência humana conforme o Evangelho e em nome do Evangelho, contribuindo para uma sociedade nova.

Investiu-se muito na nas crianças, nos adolescentes e jovens e esqueceram-se os adultos e os idosos. Por isso, precisamos de redescobrir os caminhos da Iniciação Cristã e de uma cuidadosa formação do laicado, constituindo outro grande desafio, até para . Sente-se uma enorme vontade de formação nos Leigos que tem de ser correspondida por nós. Recomeçamos em 2012 no IDEP com uma proposta formativa de excelência teológica e pastoral de 3 anos, estando já no segundo ciclo de funcionamento e agora só ao sábado para facilitar a um maior número de pessoas.

Precisamos de novos evangelizadores para a Evangelização. Não podemos enfrentar os desafios de hoje com respostas de ontem. O ativismo é a nova forma do clericalismo. Na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, o documento pós-conciliar mais importante, segundo o Papa Francisco, somos interpelados pelo Beato Paulo VI: «Conservemos o fervor do espírito, portanto; conservemos a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! Que isto constitua para nós, como para João Batista, para Pedro e para Paulo, para os outros apóstolos e para uma multidão de admiráveis evangelizadores no decurso da história da Igreja, um impulso interior que ninguém nem nada possam extinguir. Que isto constitua, ainda, a grande alegria das nossas vidas consagradas. E que o mundo do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e deprimidos, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar a sua própria vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo» (Paulo VI, EN 80).

Estamos a construir uma pastoral integrada (Paróquias em rede – Paróquias, Unidades Pastorais, 4 Arciprestados, Cúria Diocesana). A Paróquia não existe isolada, mas mantém a sua ligação com a Traditio apostólica da Igreja, que se torna presente no Bispo com o seu Presbitério. Só a Paróquia em rede nas Unidades pastorais poderá simplificar a vida paroquial.

Quando um cristão participa na Eucaristia dominical, vive fielmente o Matrimónio, procura amar a família e os outros e se esforça por partilhar o fruto do seu honesto trabalho – é já suficiente....; a Unidade pastoral não é “uma estação de serviço” para a administração dos sacramentos que continua a pressupor uma fé naqueles que os pedem, mas muitas vezes ausente.

Queremos ser uma Igreja “em saída” e construtora de comunhão, fecundada pela alegria do Evangelho conforme os desafios ousados do Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium e na Amoris Laetitia.

O Bispo não é um “super-pastor” distante do povo e nunca se pode limitar a ser um árbitro de um jogo de futebol, isto é, não se limita a fazer respeitar as regras, apitando as faltas, os penalties, enquanto as equipas (Seminário, Presbitério, Paróquias, Unidades Pastorais, Grupos, Associações, Congregações, Movimentos….) jogam cada qual a seu modo para atingirem os seus próprios objetivos. Ao Bispo, como pai e pastor, irmão e amigo, cabe orientar o jogo numa única equipa tão variada como é a Diocese. É ele que tem o direito e o dever de indicar e de propor as orientações e as linhas de ação da Igreja Diocesana confiada a si e aos seus colaboradores.

A sociedade em que vivemos parece menos atenta aos valores do Espírito e distraída por muitas mensagens contraditórias que conduzem a atitudes e comportamentos distantes da Tradição cristã e que não deixam pensar no essencial da vida. Todavia em nós, os crentes, ressoa constantemente o convite para que, da liturgia à caridade, da catequese ao testemunho de vida, tudo na Igreja torne visível e reconhecível o rosto de Cristo, a centralidade do mistério integral de Cristo. Ad docendum Christi Mysteria – Para mostrar os mistérios de Cristo.

O grão de amendoeira é símbolo deste admirável mistério: na primeira casca verde, amarga; na segunda casca dura, resguarda-se e fortalece-se; no interior é de bom e belo sabor. Da sua madeira rija é a vara do báculo pastoral, encimado pelo grão. A cruz peitoral provém do mesmo lenho e é florida pela sua flor e folhas. A amendoeira descreve, desde a flor até ao grão, a epifania de um tempo novo: o tempo de Deus.

O Senhor ressuscitado caminha com a sua Igreja e com a humanidade, não se cansando de nos convidar a ter esperança na evangelização. Ele ama este mundo, pelo qual se deu a si mesmo, e quer que todo o homem se salve.

É com esta convicção que fui ao vosso encontro, nos lugares da vida quotidiana, para confirmar a vossa fé, que já é grande, para dizer-vos da imensa alegria de ser convosco cristão e para vós Bispo, para vos convidar a viver e a trabalhar sempre com confiança, confiando não nas nossas frágeis forças, mas no Senhor e na sua constante presença de amor.

Estivemos juntos; escutámos juntos a Palavra de Deus; refletimos juntos; rezámos juntos e, juntos, decidimos os passos a realizar para incutir novo vigor às nossas comunidades e um novo impulso sinodal e missionário a toda a nossa Igreja diocesana.

Não é o Bispo o centro da visita, mas sim Jesus Cristo. A Ele temos de continuar a fixar o olhar para lhe abrirmos o coração, a vida, a porta das nossas casas, das nossas paróquias, dos lugares de trabalho, de estudo e de sofrimento.

A Visita que vos fiz como Bispo tem de continuar a fazer crescer em fraternidade, para fazermos da Igreja uma família de famílias onde se escuta, acolhe e se ama. Somos um povo com chão, identificados com a cultura do Evangelho e somos um povo com céu, porque em nós habita a Esperança cristã.

Para todos invoco a bênção do Senhor, nossa alegria e nossa esperança. Com Maria e como Ela, a Senhora das Graças e da Assunção, queremos continuar a experimentar a alegria de evangelizar, peregrinando no tempo novo, o tempo de Deus. Como escreve um autor contemporâneo: «“em nome do Pai”: inaugura o sinal da cruz. Em nome da mãe inaugura a vida» (E. DE Luca).

 

Oração diocesana

Deus Pai,

a nós, peregrinos nos caminhos da missão,

tornai-nos cada vez mais firmes na fé,

alegres na esperança e

  generosos na caridade,

para vivermos juntos com Cristo, Vosso Filho,

na unidade do Espírito Santo.

Ámen.

 

Santuário diocesano de Nª Senhora da Assunção, 24 de Julho de 2016, XVII Domingo do Tempo Comum e conclusão da minha primeira Visita Pastoral à Diocese.

 

 

X José Manuel Garcia Cordeiro

O vosso Bispo e servidor do Evangelho da Esperança