Padres com mãos de peregrinos na santidade e na misericórdia | Diocese Bragança-Miranda
Missa Crismal 24.03.2016
- Portas da santidade e da Misericórdia
A narrativa de Lucas dá cumprimento à profecia de Isaías no ‘Hoje’ da salvação em Cristo. Aqui configura-se o sentido pleno da Liturgia desta Missa Crismal, na qual se benze e consagra o azeite para os sacramentos do Batismo, da Confirmação, da Unção dos Enfermos e da Ordenação presbiteral e episcopal, como bálsamo perfumado da unção espiritual da beleza da Misericórdia.
Fixar os olhos em Jesus Cristo, o rosto da Misericórdia do Pai é regressar ao essencial da fé. O que escutámos no evangelho de hoje: «estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga», desafia a deixarmo-nos olhar, olhos nos olhos, por Cristo e olhar, olhos nos olhos, os irmãos.
O Senhor ao proclamar o Ano da Graça, torna-nos dignos de sermos portas da santidade e da misericórdia, pois «o Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu». Alegre-se, pois, o nosso coração, porque Jesus Cristo é o único reparador e a indulgência plenária do Pai.
As Irmãs Servas Franciscanas Reparadoras celebram hoje mesmo o dia jubilar dos 75 anos da decisão fundacional do Instituto de vida consagrada, por um grupo de senhoras e um nosso antecessor, D. Abílio. As Irmãs Doroteias, fundadas por Santa Paula Frassineti, lembram os 150 anos da chegada a Portugal e 39 anos na nossa Diocese. As Irmãs: Teresa, Idalina, Jacinta, Florinda e Manuela; os Sacerdotes: Hérmino, Alfredo, José Carlos, Carlos Fonseca, Manuel Mendes e eu próprio damos inumeráveis graças a Deus pelo Dom recebido, neste Ano jubilar das nossas vidas.
Para nós, a graça divina acolhida na celebração litúrgica da Ordenação é para ser diariamente renovada, e não apenas uma vez por ano, conforme a exortação paulina: «Não te esqueças do dom que está em ti, que te foi dado mediante uma profecia acompanhada da imposição das mãos dos presbíteros» (1Tm 4,14; cf. 2Tm 1,6).
2. A prioridade do Dom
No dia da ordenação sacerdotal, aceitamos alegremente os compromissos para seguir a Jesus Cristo, Cabeça, Pastor, Servo e Esposo da Igreja. Antes de mais, a iniciativa de Deus, a eleição divina, a gratuidade total do dom de Deus. O simbolismo do gesto central da Ordenação dos Presbíteros – a imposição das mãos – leva-nos a descobrir a presença e a actividade do Espírito Santo. A unção das mãos é outra forma de caracterização do Espírito na consagração dos Presbíteros.
Todos os recursos de inteligência e de acção devem ser investidos no exercício do ministério e na vida espiritual do Presbítero, mas é preciso estar consciente do que Cristo adverte: «sem Mim nada podeis fazer» (Jo 15,5). No Prefácio da Missa crismal e na Ordenação sacerdotal rezamos com gratidão: «Ele, não só revestiu do sacerdócio real todo o seu povo santo, mas também, de entre os seus irmãos, escolheu homens que mediante a imposição das mãos, participam do seu ministério sagrado».
Da relação com a Palavra de Deus, o Presbítero encontra a sua identidade, a eficácia do seu ministério, qual tesouro trazido em vasos de barro (cf. 2 Cor 4,7). O Presbítero é o servidor da Palavra e esta deve ser a força e a fonte da presidência na assembleia litúrgica em nome de Cristo.
Na celebração dos sacramentos, a Eucaristia ocupa o lugar central: «fonte e coroa de toda a evangelização» (PO 5). Lembremos as celebrações da Eucaristia que realizamos com fadiga, sobretudo ao Domingo quando temos de celebrar mais que uma ou duas ou três ou quatro (!) e correr de igreja para igreja. Também estas são meio de santificação e lugar de misericórdia.
O dom do perdão é concedido pela mediação da Reconciliação na Igreja através das mãos do nosso ministério. Os sacerdotes são ministros, mas também beneficiários, tornando-se testemunhas credíveis das obras de misericórdia e da misericórdia das obras na Igreja e no mundo.
A unidade entre a vida e a actividade encontra na pastoral da caridade – a representação do Bom Pastor – o vínculo da perfeição. É ainda mais claro, se consideramos o gesto evangélico do lava-pés (cf. Jo 13, 1-15), para sermos próximos de todos, especialmente dos pobres, dos doentes, dos presos, dos idosos, dos emigrantes, dos sós, dos indefesos e dos que buscam o sentido da vida.
A expressão singular da radicalidade evangélica são os conselhos evangélicos, que Jesus propõe no sermão da montanha (cf. Mt 5-7) e, entre estes, intimamente coordenados entre si, a obediência, a pobreza e o celibato, a serem bem vividos na condição própria do Presbítero diocesano secular e na vida fraterna da vida consagrada.
A nossa oração tem uma tonalidade apostólica, o olhar de fé de um pastor que se sente responsável pela comunidade, sem esquecer a dimensão diocesana e universal do ministério. A vida espiritual do Presbítero deve, pois, alimentar-se da celebração da Liturgia das Horas e, quanto possível, convidar os fiéis para «a celebração comunitária das partes mais importantes da Liturgia das Horas, mormente nos domingos e festas (cf. SC 100)» (IGLH 23).
O Padre é gestor da cura das almas ou é homem de Deus? É um funcionário ou é aquele que realiza o trabalho a partir da sua união com Jesus Cristo ou é?
A formação permanente concretiza a centralidade de Cristo, o «estar com Cristo», e encontra o seu fundamento e motivação no dinamismo do sacramento da Ordem. Com efeito, a nada serve o “fazer” se falta o “ser com Cristo”. No testemunho, na pregação, no diálogo pessoal se os sacerdotes suportam com Cristo a sua cruz, ajudam as famílias a suportar também a sua.
3. As mãos do Padre peregrino
As nossas mãos foram ungidas com o azeite perfumado, o bálsamo da unção espiritual, para a missão da alegria no serviço do Evangelho da Esperança. Contudo, a unção não significa que sejam intocáveis, são mesmo o contrário, é para as ‘sujar’, servindo. Temos mesmo de as sujar para servir. Àqueles que não querem sujar as mãos na realidade do mundo e da Igreja, avisava Charles Péguy «acabam rapidamente por ficar sem mãos». Por isso, demos as mãos e «mãos à obra»! A mão está ligada ao braço e ao corpo todo. Que as obras boas da misericórdia praticadas por nós signifiquem um novo dinamismo pastoral, porque as mãos ungidas são para o serviço e não para o poder.
Aprendi que a concha ou vieira, característica do peregrino de Santiago de Compostela, simboliza a mão, sinal do amor cristão e do serviço de fraternidade. As mãos do peregrino servem os outros peregrinos nas obras de misericórdia e na caridade, curando as feridas, tomando a iniciativa e criando a proximidade. As mãos do peregrino são páscoa cristã da indiferença à compaixão.
As mãos do sacerdote santificam e oferecem a Deus e aos irmãos o perfume da unção espiritual. O grande teólogo, o Padre Romano Guardini escreveu: «bela e grande é a linguagem da mão! Dela diz a Igreja que no-la deu Deus para “nela trazermos a alma”». Na unção das mãos, o bispo diz aos Presbíteros: «O Senhor Jesus Cristo, a Quem o Pai ungiu pelo Espírito Santo e seu poder, te guarde para santificares o povo cristão e ofereceres a Deus o sacrifício».
Seguir Jesus Cristo é, para toda a Igreja, consequência da vocação à santidade de vida nascida do Baptismo. O serviço da pastoral da bondade, da santidade e da comunhão com o Bispo, com os outros Presbiteros no Presbitério diocesano, com os Diáconos, com os Fiéis Leigos, com as Pessoas consagradas é um imperativo que nasce na celebração da Ordenação, é, pois, essencial, enquanto radica no próprio sacramento. A amizade fraterna e comunhão sincera na corresponsabilidade é mais importante que trabalhar sozinho. Precisamos de agir em união e na paz, como pedimos ao Senhor Jesus Cristo, todos os dias na Eucaristia: «Não olheis aos nossos pecados, mas à fé da vossa Igreja e dai-lhe a união e a paz, segundo a Vossa Vontade».
A santidade na nossa vida e no ministério encontra o seu dinamismo nesta exortação paulina: «Por isso, vos exorto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Seja este o vosso verdadeiro culto, o espiritual.2Não vos acomodeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito» (Rm 12, 1-2).
Hoje ofereço a cada Presbítero e a cada Diácono uma edição de bolso do Pontifical Romano da ordenação do Bispo, dos Presbíteros e dos Diáconos, para que voltem aos ritos e às orações que os geraram, pela imposição das mãos, para o mistério e o ministério e se deixem renovar no dom de sermos peregrinos com mãos santas e misericordiosas.
A todos e a cada um, especialmente aos Presbíteros: sede santos, sede misericordiosos, como o Pai é santo e misericordioso!
Desejo que possamos sempre cantar com a vida: «Eu, porém, como oliveira verdejante na casa de Deus,confio para sempre na sua misericórdia» (Sl 51, 10).
+ José Manuel Cordeiro




