Intervenção de D. Nuno Almeida na Apresentação da obra "Constituições Synodaes do Bispado de Miranda de 1565" | Diocese Bragança-Miranda
Concatedral, 5 de junho de 2024, Miranda do Douro
Constituições Synodaes do Bispado de Miranda
Senhora Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro
Senhor Arcebispo de Braga
Prof. Luís Amaral
Prof. José Francisco Meirinhos
Profa. Maria de Lurdes Correia Fernandes
Prof. Jorge Jacoto Lourenço (Frauga)
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Manifestamos profunda gratidão a todas as pessoas e instituições que apoiaram e tornaram possível esta publicação - reedição da obra Constituições Synodaes do Bispado de Miranda - com destaque para a Frauga – Associação para o Desenvolvimento Integrado de Picote e para o Instituto de Filosofia da Universidade do Porto e Câmara Municipal de Miranda do Douro.
As Constituições são um texto normativo de meados do século XVI e que se manteve vigente durante vários séculos. Tratando-se de um guia sistemático da vida cristã, incorporando prescrições doutrinárias e instruções para o quotidiano, as Constituições deixaram profundas marcas culturais e cultuais, influenciando as práticas religiosas, festivas ou comunitárias e mesmo a vivência das crenças pela população local ao longo dos séculos. Podemos, por tudo isto, intuir a especial importância desta obra, para se compreender a situação religiosa, cultural, política e militar de Miranda em meados do século XVI.
Estas Constituições possuem a particularidade de incorporar as posições da Igreja de Roma aprovadas no longo concílio de Trento (iniciado a 1545 e que terminaria a 4 de dezembro de 1563). A boa receção do Concílio de Trento está bem expressa na finalidade das constituições do Bispado de Miranda, como escreveu o seu terceiro Bispo, D. João D’Alva (1560-1570), no prólogo: «E porque depois de ser feito o dito Sínodo em que as ditas Constituições se fizeram, se confirmou e publicou o santo Concílio Tridentino, em que se se proveram muitas coisas muito necessárias para a reformação e bom regimento da Igreja universal, nos pareceu acrescentar às ditas Constituições algumas determinações do dito santo Concílio, que nos pareceu necessário serem de todos sabidas, sem tirar, mudar, nem acrescentar nenhuma outra coisa do substancial que no dito Sínodo se assentou, como coisa do original por onde as ditas Constituições se imprimiram».
As Constituições realçam os aspetos jurídicos e organizativos da Igreja e reforçam o papel do clero. Acentua-se o aspeto hierárquico da estrutura eclesial, dá-se prioridade a uma pastoral litúrgico-sacramental. A Igreja deve santificar, ensinar e governar. Igreja docente e discente, santificadora e santificada, governante e governada.
As Constituições permitem-nos colher traços importantes da eclesiologia que desencadeou, forjou e saiu do Concílio de Trento. Recorde-se que reagindo à Reforma Protestante, o Concílio de Trento procurou revigorar a vida interna da Igreja na missão de santificar (Liturgia) e na missão de ensinar (Palavra); faltando sensibilidade para os problemas da justiça social, para os direitos dos homens que, no mundo, vivem, lutam, sofrem e são vítimas de injustiças, mesmo se nunca faltaram expressões de assistência caritatitiva. Há que lembrar que a Igreja foi pioneira absoluta da assistência social, desde o século IV.
A eclesiologia tridentina refletiu-se na clericalização da Liturgia, pois a assembleia ficou reduzida a um grupo de pessoas que assistiam individualmente. Operou-se a desvalorização do tempo da Palavra, apesar do esforço do primeiro Catecismo (1566), a seguir ao Catecismo de Lutero, em (1529). Perdeu-se a dimensão do Serviço, própria da dimensão real que passou a designar a função de governar.
Trento reforçou a Igreja instituição, com características de acabada, perdendo-se o sentido de fermento do Reino. Desde cedo surgem sinais de inquietação, perante uma Igreja que se vai assumindo como “sociedade juridicamente perfeita”. O regresso às fontes escriturísticas e patrísticas, a reforma litúrgica, fazem surgir de novo uma eclesiologia marcadamente comunitária, que, no século XX, o Concílio Vaticano II aprofundará.
As Constituições Synodaes do Bispado de Miranda são uma obra rara, um documento de extraordinária importância para a História da Igreja em Portugal. Graças à dedicação e à cooperação de tantas pessoas e entidades, passa a estar disponível para todos. Por tudo isto: um grande e sentido bem-hajam!
Manifesto a minha grande alegria por esta publicação ser dedicada a Mons. Adelino Fernando Paes.
+Nuno Almeida
Bispo de Bragança-Miranda
Fotografia: Padre Paulo Pimparel